As festas juninas, marcadas por fogueiras, quermesses, quadrilhas e comidas típicas, têm origem na Europa católica e chegaram ao Brasil por meio dos portugueses, durante o período colonial. No calendário religioso, celebram as solenidades de Santo Antônio (13 de junho), São João Batista (24 de junho), São Pedro e São Paulo (29 de junho). No entanto, no Brasil, essas festas ganharam novos contornos, se tornando experiências coletivas que misturam fé, tradição, culinária, dança e afetividade.
Segundo a doutora em Teologia e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Ana Beatriz Dias Pinto, no contexto brasileiro, as festas juninas vão além de datas litúrgicas: “Cada arraial, cada fogueira acesa e cada simpatia feita com fé expressam uma catequese viva, transmitida não por livros, mas por gestos, sabores e ritmos que fazem universo de sentidos para a religiosidade popular e dizem muito sobre nossa cultura”.
A professora explica que a fogueira junina tem origem em um acordo simbólico entre Isabel e Maria, primas grávidas: Isabel, mãe de João Batista, combinou que, ao dar à luz, avisaria Maria acendendo uma fogueira. “Assim surgiu o sinal, que se acende até hoje em cada quermesse do Brasil para celebrar o nascimento do único santo festejado no dia em que nasceu, e não no dia da morte”, afirma.
Além de símbolo do nascimento de São João, a fogueira representa luz e renovação. O ato de pular a fogueira, tão presente nas brincadeiras juninas, carrega um significado de purificação e transformação. “Esse gesto é arquétipo de purificação, de queimar energias e experiências negativas, reduzindo a cinzas o que não é bom para a vida. Por isso virou até cantiga popular: ‘Pula a fogueira, ioiô’”.
Outro símbolo tradicional das festas é o arraial — uma representação simbólica de uma aldeia temporária e sagrada. “É uma miniatura da própria organização social católica, mas numa versão colorida e brincante, homenageando o povo caipira, o povo que oferece aos centros urbanos o alimento”, destaca Ana Beatriz.
Quadrilha, pau de sebo e quermesse
A quadrilha, dança típica das festas juninas, tem origem nas danças de salão francesas. Ao ser trazida para o Brasil, foi adaptada e abrasileirada, ganhando coreografias e personagens cômicos, como o noivo, a noiva e o padre, todos presentes em um casamento encenado.
O tradicional pau de sebo também marca presença nas celebrações. “Enquanto alguns o veem como símbolo fálico, outros enxergam apenas como diversão. Na cultura popular, o pau de sebo é apenas uma brincadeira. Em sua ponta, sempre há uma imagem de Santo Antônio ou um prêmio. Quem consegue alcançar é o vencedor”, comenta.
Já o termo “quermesse” vem do flamengo kerkmisse, que significa “missa da igreja”. Originalmente, era uma festa beneficente realizada ao redor da igreja. No Brasil, o evento incorporou elementos da cultura popular, como forró, bingo, barracas de jogo e comidas típicas. “No fundo, continua sendo uma celebração comunitária, de agradecimento pelas colheitas e para celebrar que o povo quer missa, mas também quer festa, união, convivência e amizade”, pontua Ana Beatriz.
Comidas, bebidas e gratidão
As festas juninas coincidem com o período de colheita de produtos como milho, amendoim, pinhão e uva. Esses ingredientes dão origem a quitutes típicos como canjica, pamonha, bolo de milho, curau, pé-de-moleque e pinhão cozido. Entre as bebidas, o quentão e o vinho quente aquecem os festeiros nas noites frias de junho. “Todos representam uma forma de Ação de Graças a um plantio bem-sucedido, em forma de gratidão disfarçada de quitute”, afirma a teóloga.
Expressão de fé e resistência cultural
Com o avanço da tecnologia e a presença constante das redes sociais, as festas juninas continuam sendo um importante ritual coletivo de pertencimento e resistência cultural. Para a professora Ana Beatriz, essas celebrações mantêm viva uma espiritualidade popular legítima, repleta de orações, simpatias, danças e memórias afetivas.
“As festas juninas são expressão simbólica do imaginário devocional e cultural brasileiro, com direito a muitas orações, simpatias e à consciência simbólica de que o ano chegou à sua metade, convidando cada um de nós a olhar para trás, agradecer, e reacender a fé para o que ainda está por vir”, conclui.
As festas juninas, portanto, seguem cumprindo seu papel de unir fé, história, cultura e alegria — um verdadeiro patrimônio imaterial do povo brasileiro.