Um fóssil guardado há décadas na coleção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, está ajudando cientistas a reescrever parte da história da origem dos dinossauros. O material, descoberto originalmente em Santa Cruz do Sul (RS), foi descrito como pertencente a uma nova espécie, batizada de Itaguyra oculta, em estudo publicado nesta sexta-feira (30) na revista Scientific Reports, do grupo Nature.
A pesquisa, liderada por paleontólogos brasileiros e argentinos, analisou dois ossos fossilizados que integravam a cintura pélvica do animal — um ílio e um ísquio — e concluiu que pertenciam ao grupo dos silessauros, um tipo de réptil que viveu no período Triássico. Estima-se que o fóssil tenha cerca de 237 milhões de anos, colocando a nova espécie entre os dinossauros mais antigos conhecidos até hoje.
A descoberta é especialmente significativa por lançar luz sobre um período pouco documentado na história evolutiva dos dinossauros, logo após o evento de extinção em massa que, há cerca de 250 milhões de anos, eliminou mais de 95% das espécies marinhas e 70% das linhagens de vertebrados terrestres — episódio conhecido como “A Grande Morte”, que marcou o fim da era Paleozóica e o início da Mesozóica.
Segundo os autores do estudo, Itaguyra oculta reforça a hipótese de que os silessauros não são apenas parentes próximos dos dinossauros, mas integrantes da linhagem dos ornitísquios — um dos dois grandes grupos de dinossauros, ao lado dos saurísquios. Caso a hipótese seja confirmada, a espécie pode se tornar o mais antigo ornitísquio já identificado pela ciência.
“A descoberta preenche um hiato temporal crítico e sustenta a ideia de que os silessauros não apenas são próximos dos dinossauros, mas podem ser os primeiros representantes dos ornitísquios”, explica Voltaire Paes Neto, pesquisador do Museu Nacional da UFRJ e autor principal do estudo.
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O diretor do Museu Nacional e coautor da pesquisa, Alexandre Kellner, também destaca a importância da descoberta. “Toda a diversidade de dinossauros que conhecemos se divide em duas grandes linhagens: os saurísquios e os ornitísquios, grupos reconhecidos há mais de um século e meio pela ciência. Contudo, como se deu a origem dessas linhagens ainda é um enigma”, afirma.
Os silessauros eram animais de pequeno porte, geralmente quadrúpedes, onívoros ou herbívoros, que viveram no final do Triássico e deixaram registros fósseis em diversas partes da antiga Pangeia. A presença contínua desse grupo no território brasileiro reforça, segundo os cientistas, o papel do sul do país como uma região-chave para entender a origem e a diversificação dos dinossauros.
“A presença contínua de silessauros no Brasil reforça o papel do sul do país como um território-chave para entender a origem e diversificação dos dinossauros”, afirma Flávio A. Pretto, pesquisador da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e coautor do estudo.
O nome da nova espécie também homenageia a origem do achado. Itaguyra combina os termos tupi “ita” (pedra) e “guyra” (ave), enquanto oculta faz referência ao fato de os ossos terem permanecido “escondidos” por décadas, misturados a outros materiais fósseis na coleção da UFRGS.
Além do Museu Nacional e da UFSM, participaram do estudo cientistas da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), da própria UFRGS e do Museo Argentino de Ciencias Naturales. A pesquisa teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e do projeto INCT-Paleovert.