De cada dez brasileiros, nove (87%) destacam a violência sexual como o tipo de violação que mais vitima meninas no país. Para 43% da população, esse é também o tipo mais comum de violência infantil. Os dados constam da pesquisa “Percepções sobre violência e vulnerabilidade de meninas no Brasil”, realizada pelo Instituto QualiBest a pedido da Plan Brasil e divulgada neste sábado (11), data em que se celebra o Dia Internacional da Menina.
Além da violência sexual, foram citadas com frequência a violência física, a psicológica ou emocional e a violência online, que inclui casos de cyberbullying, assédio virtual e exposição de imagens na internet. A gravidez na adolescência, que pode ocorrer como consequência de estupro, também chamou atenção, sendo apontada por 56% dos entrevistados.
O levantamento ouviu 824 pessoas de todas as regiões e classes sociais, das quais 433 eram mulheres e 381 homens. A maioria dos participantes (90%) reconhece a adultização precoce de meninas como uma forma de violência — 61% consideram que isso caracteriza totalmente uma violação e 29% acreditam que o fenômeno reflete a violência em parte.
Para Ana Nery Lima, especialista em gênero e inclusão da Plan Brasil, o reconhecimento das diversas formas de violência é essencial para a denúncia e a prevenção.
“Quando falamos em violência de gênero, o que vem à mente é a agressão física. Mas há uma série de outras violências que levam à agressão e, muitas vezes, ao feminicídio. Entender o ciclo da violência é fundamental para romper com ele”, afirma.
Meninas mais vulneráveis
Mais da metade dos entrevistados (60%) acredita que meninas estão mais vulneráveis hoje do que há dez anos, percepção ainda mais forte entre pais e mães (69%).
No ambiente digital, a sensação de insegurança é quase unânime: 92% afirmam que a internet e as redes sociais aumentam a vulnerabilidade das meninas. Entre os respondentes, 51% disseram que seus filhos ou filhas menores de 18 anos têm perfis nas redes sociais — com destaque para Instagram (80%), WhatsApp (75%), TikTok (57%) e YouTube (49%). O Facebook ainda aparece em 47% das respostas, seguido de Kwai (27%) e X/Twitter (13%).
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A exposição de menores na internet também preocupa: 74% dos pais e responsáveis publicam fotos de filhos menores de idade em redes sociais. Desses, 27% fazem postagens frequentes em perfis fechados, 33% compartilham “raramente e de forma controlada” e 6% publicam em perfis abertos. Apenas 8% não adotam nenhuma restrição.
Ainda segundo o levantamento, 92% dos participantes apoiam a responsabilização de adultos que explorem financeiramente a imagem de meninas ou as exponham a riscos online.
Ameaças dentro de casa
Embora 83% apontem a internet como o ambiente mais perigoso para meninas, apenas 33% veem risco dentro de casa — uma percepção considerada equivocada pelos especialistas. Estudos mostram que a maioria das violências de gênero ocorre no ambiente doméstico, praticada por pessoas conhecidas, como familiares, parceiros ou ex-parceiros.
Juliana Cunha, diretora da SaferNet Brasil, explica que esse equívoco é fruto de um imaginário social que associa o perigo a desconhecidos.
“A gente ainda tem uma percepção de risco muito ligada ao estranho, e acaba ignorando que as maiores ameaças estão dentro do próprio círculo de convivência”, observa.
Para Ana Nery Lima, é preciso romper com a ideia de que a violência vem de fora.
“Muitas vezes o agressor é alguém de confiança — um parente, um professor, uma pessoa admirada. Só quando entendermos isso poderemos proteger de fato nossas meninas”, ressalta.
A especialista reforça que a mudança exige reconhecimento coletivo.
“Precisamos admitir que a sociedade brasileira produz e reproduz violências e desigualdades. É difícil se reconhecer como agressor, mas é o primeiro passo para transformar essa realidade”, conclui.
Deepfake e novas ameaças digitais
A pesquisa também alerta para o avanço das violações digitais, como os deepfakes sexuais — montagens feitas com inteligência artificial, que inserem o rosto de meninas em imagens ou vídeos de conteúdo sexual sem consentimento.
Um estudo recente da SaferNet Brasil, financiado pelo Unicef, identificou 16 casos de deepfakes sexuais em escolas de dez estados brasileiros, envolvendo 72 vítimas e 57 agressores, todos menores de idade. Os estados com mais registros foram Alagoas, Bahia, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
A organização alerta que o número real pode ser maior, já que não há monitoramento oficial sobre esses crimes no país. A SaferNet mantém uma plataforma com materiais educativos para escolas e um canal para recebimento de denúncias.



