O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (26), por 8 votos a 3, que as plataformas digitais que operam redes sociais no Brasil poderão ser responsabilizadas civilmente por conteúdos ilegais publicados por seus usuários. A decisão declara a inconstitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), que anteriormente protegia as plataformas de responsabilização, exceto nos casos em que não cumprissem ordem judicial para remoção do conteúdo.
A nova diretriz altera de forma significativa a atuação das chamadas big techs no país. Com o julgamento concluído após seis sessões, o STF entendeu que o artigo não oferece proteção adequada aos direitos fundamentais e à democracia.
Segundo o novo entendimento, as plataformas podem ser responsabilizadas diretamente, mesmo sem decisão judicial, caso não removam conteúdos ilegais após notificação extrajudicial. Entre os tipos de publicações que devem ser retiradas estão:
- Atos antidemocráticos;
- Terrorismo;
- Induzimento ao suicídio e automutilação;
- Incitação à discriminação por raça, religião, identidade de gênero, homofobia e transfobia;
- Crimes contra a mulher e conteúdos que propagam ódio contra a mulher;
- Pornografia infantil;
- Tráfico de pessoas.
A tese jurídica aprovada pela Corte valerá até que o Congresso Nacional aprove uma nova legislação específica sobre o tema. Na avaliação do STF, o modelo atual transfere aos usuários o ônus de buscar a Justiça para resolver casos de danos causados por postagens ofensivas, o que se mostrou inadequado diante da evolução tecnológica e do poder das plataformas.
Divergências e votos
O último a votar foi o ministro Nunes Marques, que se posicionou contra a responsabilização direta das redes sociais. Para ele, a liberdade de expressão é cláusula pétrea da Constituição e deve ser preservada. “A responsabilidade deve recair sobre quem causou o dano, ou seja, o usuário”, afirmou.
O voto de Nunes Marques foi acompanhado apenas por Edson Fachin e André Mendonça, que defenderam a manutenção do artigo 19 como está.
Já os ministros Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia votaram pela inconstitucionalidade do dispositivo.
Durante os debates, Moraes criticou o modelo de negócios das big techs, classificando-o como “agressivo” e desrespeitoso às leis brasileiras. Cármen Lúcia argumentou que, desde a sanção da lei em 2014, houve grande transformação digital, e as plataformas passaram a exercer poder desproporcional sobre a circulação de informações. “Os algoritmos não são transparentes”, apontou.
Luís Roberto Barroso defendeu a manutenção da exigência de ordem judicial para retirada de conteúdo apenas em casos de crimes contra a honra, como calúnia e difamação. Para os demais tipos, a notificação extrajudicial é suficiente.
Casos analisados
A decisão do STF foi tomada no julgamento de dois casos concretos. Um deles envolvia um recurso do Facebook contra condenação por danos morais devido à criação de perfil falso. O outro caso, relatado pelo ministro Luiz Fux, tratava de recurso do Google questionando a necessidade de fiscalização prévia de conteúdos ofensivos hospedados em sites.
Com a nova interpretação, as plataformas devem adotar políticas ativas de monitoramento e retirada de conteúdo, sob pena de serem responsabilizadas por danos causados por seus usuários. A decisão tem impacto direto na atuação das empresas de tecnologia e marca um novo capítulo na regulação da internet no Brasil.