Um levantamento inédito divulgado nesta segunda-feira (2) revela que a rotatividade de médicos na Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil atingiu uma média de 33,9% entre os anos de 2022 e 2024. A pesquisa, conduzida pela organização Umane e o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), mostra que a saída de profissionais é mais acentuada em estados com menor Produto Interno Bruto (PIB) per capita.
Estados como Maranhão e Paraíba registram os maiores percentuais de evasão, enquanto Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal, com os maiores PIBs per capita do país, apresentam os menores índices de saída de médicos.
A médica de família e comunidade e pesquisadora do FGVsaúde, Marcella Abunahman, uma das autoras do estudo, destaca a importância de investimentos direcionados a regiões mais vulneráveis para evitar a perda de profissionais. Segundo ela, a rotatividade compromete diretamente a qualidade do atendimento oferecido à população.
“Uma saída é sempre péssima, porque é rompida a continuidade com paciente, família, equipe e todo o território. Estudos mostram que é preciso pelo menos um ano para começar a criar um vínculo efetivo com o paciente”, explica.
Os dados utilizados no estudo foram obtidos de fontes públicas oficiais, como Datasus, Sisab, Vigitel, Sisvan, e-Gestor AB, Ipeadata e o sistema Sidra do IBGE. Todas as informações estão reunidas em um painel interativo disponível no Observatório da Saúde Pública.
Além da rotatividade, o estudo traz um panorama da cobertura e eficiência da Atenção Primária no Brasil, destacando avanços e desafios. Um dos principais problemas identificados é a dificuldade de fixar profissionais em áreas mais remotas e menos estruturadas, fator que impacta diretamente a continuidade e qualidade dos serviços prestados.
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Papel fundamental da APS
A Atenção Primária à Saúde é considerada a porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS) e a base para organização dos demais níveis de atendimento. Ela inclui ações de promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação.
Marcella Abunahman reforça que é na APS onde se criam os laços entre profissionais e a comunidade.
“É responsabilidade da Atenção Primária rastrear as doenças, diagnosticar, tratar, seguir os portadores dessas condições. A UBS precisa saber quem são os hipertensos, os diabéticos e as gestantes do território e garantir o acompanhamento adequado”, afirma.
Diferenças regionais
O estudo também identificou desigualdades regionais em diversos indicadores de saúde. No segundo quadrimestre de 2024, apenas as regiões Norte não cumpriram a meta de prestar ao menos seis consultas de pré-natal a 45% das gestantes, segundo os critérios do Sisab. A mesma região também ficou abaixo da meta de 70% de rastreamento do câncer de mama, atingida pelas demais.
Outro dado relevante diz respeito às internações por condições sensíveis à APS – ou seja, problemas de saúde que poderiam ser evitados com um bom acompanhamento na atenção básica. A média nacional entre janeiro e outubro de 2024 foi de 20,6%. Norte (23,9%) e Nordeste (22,4%) superaram esse índice, enquanto Sul (17,8%), Sudeste (19,8%) e Centro-Oeste (19,0%) apresentaram percentuais menores.
Vacinação infantil ainda é desafio
A cobertura vacinal em crianças com menos de 1 ano também preocupa: nenhuma unidade federativa alcançou os 95% estabelecidos como referência pelo Ministério da Saúde. Os melhores desempenhos foram registrados em Alagoas e no Distrito Federal, ambos com 87%.
Para Pedro Ximenez, cientista de dados da Superintendência de Estatísticas Públicas da FGV, apesar de limitações nos dados, o levantamento oferece um diagnóstico valioso.
“A base proporciona um diagnóstico preliminar que pode orientar gestores e formuladores de políticas públicas na identificação de oportunidades de melhoria e no desenvolvimento de estratégias para o fortalecimento da Atenção Primária em todo o país”, avalia.