Um novo e moderno complexo de fabricação de mosquitos inaugurado em Campinas, no interior de São Paulo, promete mudar o rumo do combate à dengue no Brasil. A unidade, pertencente à Oxitec Brasil, foi inaugurada na última quinta-feira (2) e tem capacidade para produzir até 190 milhões de ovos de mosquitos com Wolbachia por semana, o suficiente para proteger até 100 milhões de pessoas por ano. Além disso, o local também fabricará os produtos da linha Aedes do Bem, tecnologia que pode reduzir em até 95% as populações de mosquitos Aedes aegypti em áreas urbanas.
A inauguração ocorre em um momento em que os casos de dengue atingem níveis recordes em países da América Latina e da Ásia-Pacífico. A nova instalação surge como resposta direta ao apelo da Organização Mundial da Saúde (OMS) para ampliar o acesso a tecnologias inovadoras no controle de vetores, e representa um marco global na luta contra a doença.
Projetada para atender à crescente demanda de governos e comunidades que buscam proteção rápida e econômica, a fábrica está pronta para iniciar a produção em larga escala, aguardando apenas a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para começar a fornecer mosquitos portadores da bactéria Wolbachia ao governo federal, a tempo do início da temporada de mosquitos no país.
As duas tecnologias desenvolvidas pela Oxitec — Wolbachia e Aedes do Bem — atuam com base na liberação de mosquitos em áreas urbanas, mas possuem finalidades distintas. A Wolbachia é voltada para grandes campanhas de saúde pública, enquanto o Aedes do Bem é ideal para intervenções localizadas e direcionadas, podendo ser aplicado por comunidades ou entidades privadas.
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Segundo a diretora-executiva da Oxitec Brasil, Natalia Verza Ferreira, a Wolbachia é uma bactéria naturalmente presente em mais de 60% dos insetos, mas que não existe no Aedes aegypti. “Pesquisadores australianos transferiram essa bactéria para o Aedes aegypti para verificar se ela poderia reduzir sua carga viral. A bactéria ocupa o mesmo espaço onde o vírus da dengue se reproduziria, impedindo sua multiplicação. É como se fosse uma vacina. Quando uma fêmea com Wolbachia acasala com um macho comum, toda a descendência herda a bactéria e não transmite dengue, zika ou chikungunya”, explicou.
A tecnologia já demonstrou redução de mais de 75% na transmissão da dengue em projetos-piloto realizados em grandes centros urbanos. O método foi reconhecido oficialmente pela OMS e incorporado ao Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD) do Ministério da Saúde.
Já o Aedes do Bem funciona por meio da liberação de mosquitos machos geneticamente modificados, que acasalam com as fêmeas selvagens — responsáveis por picar e transmitir doenças —, resultando em descendentes apenas machos, enquanto as fêmeas morrem ainda na fase larval. “É como um larvicida biológico direcionado às fêmeas. O Aedes do Bem reduz a população de mosquitos que picam e, consequentemente, diminui os casos da doença”, destacou Natalia.
Apesar de complementares, as duas tecnologias não podem ser usadas simultaneamente. “Se forem liberados juntos, o macho do Aedes do Bem pode cruzar com a fêmea com Wolbachia, e o processo de transferência da bactéria não acontecerá. Por isso, a recomendação é realizar primeiro a supressão populacional com o Aedes do Bem e, em seguida, aplicar a Wolbachia para imunizar os mosquitos remanescentes”, detalhou a diretora.
O protocolo indicado prevê a aplicação do Aedes do Bem durante o período quente e chuvoso — de outubro a maio —, e o início da liberação da Wolbachia dois meses após o término da temporada, em um processo que pode durar de nove a 15 semanas, conforme as condições climáticas.
Natalia Verza destacou que as tecnologias foram colocadas à disposição do Ministério da Saúde como políticas públicas de prevenção. “O Brasil sofreu surtos devastadores de dengue nos últimos anos. A urgência de ação nunca foi tão grande. Com o novo complexo em Campinas, estamos prontos para apoiar os planos de expansão da Wolbachia do Ministério, garantindo que a tecnologia chegue rapidamente às comunidades em todo o país, de forma econômica e eficiente”, afirmou.
Já o secretário adjunto da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA), Fabiano Pimenta, explicou que novas tecnologias como a Wolbachia estão em processo regulatório provisório até 2027. “Vamos discutir como regulamentar essa questão. O Ministério da Saúde, os municípios e a Anvisa estão alinhados para encontrar uma solução que permita a disponibilização dessa tecnologia com segurança”, disse.