Os casos de coqueluche em crianças pequenas aumentaram mais de 1200% no Brasil, segundo dados do Observatório de Saúde na Infância (Observa Infância). Em 2024, o país registrou 2.152 casos da doença em crianças menores de cinco anos, número superior à soma dos cinco anos anteriores. Dessas, 665 precisaram ser internadas e 14 morreram, superando as dez mortes ocorridas entre 2019 e 2023.
“Como explicar todas essas crianças que morreram de algo totalmente prevenível?”, questiona a coordenadora do Observatório, Patrícia Boccolini. Até agosto de 2025, os registros indicam uma leve melhora, mas ainda em níveis elevados: 1.148 casos e 577 internações.
A coqueluche, também conhecida como tosse comprida, é uma infecção respiratória causada pela bactéria Bordetella pertussis, e pode ser prevenida com vacinação. O Ministério da Saúde recomenda que os bebês recebam três doses da vacina pentavalente, aos 2, 4 e 6 meses de idade, e que gestantes sejam imunizadas com a DTPa em todas as gestações, para proteger os recém-nascidos.
Os dados do estudo, conduzido por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Faculdade de Medicina de Petrópolis da Unifase, apontam que mais da metade dos casos em 2024 ocorreram em crianças com menos de 1 ano, grupo que também responde por mais de 80% das internações.
Patrícia Boccolini explica que o aumento dos casos pode estar relacionado a múltiplos fatores, como a retomada dos ciclos naturais da doença após a pandemia, falhas na estruturação dos serviços locais de saúde, maior testagem e, principalmente, desigualdades na cobertura vacinal.
“Embora as coberturas vacinais nacionais não estejam tão baixas, há uma grande heterogeneidade entre os municípios. Alguns têm altas taxas de imunização, enquanto outros apresentam índices preocupantes”, ressalta Boccolini.
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De acordo com o Ministério da Saúde, mais de 90% dos bebês e 86% das gestantes receberam os imunizantes contra a coqueluche em 2024 — resultados melhores do que os de 2013. No entanto, a meta de 95% de cobertura vacinal ainda não foi alcançada. A coordenadora reforça que crianças mais velhas e adultos não vacinados também podem transmitir a doença, embora os casos mais graves ocorram em bebês.
O número de casos de 2024 se aproxima do de 2015, quando foram registrados mais de 2,3 mil ocorrências entre crianças menores de cinco anos. A partir de 2016, houve queda, e o último ano com mais de mil registros havia sido 2019.
O aumento, porém, não é exclusividade do Brasil. Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), nove países das Américas notificaram mais de 18 mil casos e 128 mortes por coqueluche nos primeiros sete meses de 2025.
Para o diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha, a doença segue um comportamento cíclico: “Dez anos atrás, já se observava um aumento global de casos. Mesmo com melhora recente nas coberturas vacinais, como ainda não atingimos as metas, os surtos reaparecem conforme essa ciclicidade”, explica.
Cunha lembra que a vacinação das gestantes foi incluída no Programa Nacional de Imunizações (PNI) justamente durante o último ciclo de alta de casos. “O bebê só estará totalmente protegido após os seis meses, quando completar as três doses da pentavalente. Por isso, vacinar a gestante é fundamental para proteger o recém-nascido nos primeiros meses de vida”, reforça.
Para Boccolini, a queda na percepção de risco também contribuiu para o cenário atual. “Tem muita gente que não sabe nem o que é coqueluche. Isso é reflexo de um passado de sucesso, quando as altas coberturas vacinais reduziram os casos. Mas, à medida que deixamos de ver a doença, perdemos o medo dela. Espero que esses números sirvam de alerta e sensibilizem a população”, conclui.