Quase 2,4 mil crianças e adolescentes com deficiência sofreram violência sexual no Brasil em 2023

Meninas com até 19 anos foram as principais vítimas; especialistas alertam para subnotificação e destacam importância da educação sexual inclusiva e da rede de proteção.

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No ano de 2023, o Brasil registrou 2.390 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes com deficiência. Desses, 1.900 envolveram meninas com até 19 anos, segundo dados do Atlas da Violência, divulgados recentemente. Embora os números sejam alarmantes, especialistas alertam que a realidade pode ser ainda pior, já que esse tipo de violência, principalmente quando envolve crianças, adolescentes e pessoas com deficiência, é frequentemente silenciado e subnotificado.

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De acordo com a psicóloga Marina Poniwas, ex-presidenta do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), a vulnerabilidade desse grupo está relacionada a uma combinação de fatores sociais e estruturais.

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“O que torna uma criança com deficiência mais exposta à violência sexual são os contextos de dependência forçada, isolamento, invisibilidade e silenciamento, perpetuados tanto no âmbito familiar quanto institucional. Essas pessoas, historicamente, não foram reconhecidas como cidadãos plenos, tampouco como pessoas com direitos sexuais e reprodutivos. Isso contribui para que sejam vistas como assexuadas, infantis ou incapazes de relatar abusos, criando um cenário de impunidade e invisibilização da violência”, afirma Marina.

Contudo, ela ressalta que crianças e adolescentes com deficiência podem sim compreender quando estão sendo vítimas de abuso e precisam ser amparadas por uma rede preparada e acessível. “O cuidado deve ser compartilhado entre Estado e sociedade, com serviços públicos acessíveis, integrados e comprometidos com a equidade”, explica.

Ela defende que familiares, cuidadores e profissionais da rede de proteção sejam formados para identificar sinais não verbais de sofrimento, respeitar diferentes formas de comunicação e criar espaços acessíveis onde essas crianças possam entender o que é violência, saber que não têm culpa e que há canais de apoio.

Projeto “Eu me Protejo” oferece educação sexual inclusiva

A jornalista Patrícia Almeida viveu esse desafio de forma direta com a filha Amanda, que tem síndrome de Down. Quando voltaram da Suíça para o Brasil, Patrícia percebeu a necessidade de fornecer à filha uma educação sexual adequada à sua realidade. Foi assim que, em 2020, ela cofundou o projeto “Eu me Protejo”, que disponibiliza materiais educativos voltados a crianças com deficiência, além de orientar famílias, professores e profissionais da saúde e assistência social.

“É uma técnica chamada linguagem simples, um recurso de acessibilidade para pessoas com deficiência intelectual, mas que acaba atendendo a um público muito maior. São frases curtas, diretas, ilustrações autoexplicativas, que todo mundo entende de uma maneira fácil e direta”, explica Patrícia.

A cartilha do projeto ensina, por exemplo, quais são as partes íntimas do corpo e que elas não devem ser tocadas por outras pessoas, exceto em situações de cuidado por pessoas de confiança. Também orienta a não aceitar presentes em troca de carinhos nem ir a locais reservados sem o acompanhamento adequado. As mensagens incentivam as crianças a buscar ajuda, mesmo quando o agressor é alguém da própria família.

Desde sua criação, o projeto cresceu e passou a oferecer materiais multimídia com acessibilidade, além de firmar parcerias com o Governo Federal, estados e municípios para capacitação de profissionais da rede de proteção.

Escola regular é ambiente de proteção

Patrícia também reforça a importância da inclusão em escolas regulares como forma de prevenção à violência. “Muitas vezes, os pais querem colocar os filhos em escolas especiais pensando em protegê-los. Mas é o contrário. Já se sabe que abusos acontecem em escolas especiais e muitas vezes ficam em segredo. Na escola regular, todos aprendem juntos sobre autocuidado e respeito ao outro, independentemente da aparência, da cor da pele ou de uma condição de deficiência.”

Como identificar e denunciar

Para Cristiane Santana, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro, a educação sexual é fundamental também para que a sociedade reconheça os sinais de violência, que muitas vezes são sutis e confundidos com características da deficiência.

“Muitas crianças com deficiência têm dificuldades para relatar o ocorrido ou não são levadas a sério quando tentam se expressar. Além disso, sinais de abuso podem ser confundidos com comportamentos típicos da deficiência, o que dificulta o reconhecimento pelos familiares e profissionais”, afirma Cristiane.

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Ela destaca que qualquer suspeita de abuso deve ser levada a sério. “Qualquer pessoa pode e deve denunciar ao Conselho Tutelar, à polícia ou ao Disque 100, que recebe denúncias de violações de direitos humanos. Profissionais da saúde e da educação têm papel essencial na identificação e notificação desses casos.”

Após a denúncia, o Conselho Tutelar pode acionar os serviços de assistência social, saúde e segurança pública para apuração do caso e acolhimento da vítima. A psicóloga Marina Poniwas lembra que esse acolhimento pode interromper ciclos de sofrimento profundo, com impactos graves e duradouros na saúde física e mental da criança.

“O abuso sexual afeta o desenvolvimento emocional, a autonomia, os vínculos sociais e a própria identidade da vítima, reforçando processos históricos de desumanização e exclusão.”

Serviço

O Disque Direitos Humanos – Disque 100 funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, incluindo sábados, domingos e feriados. O canal é gratuito e está disponível para chamadas de qualquer telefone fixo ou celular em todo o país. Além de denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes, o serviço recebe comunicações sobre qualquer tipo de violação de direitos humanos.

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