No mês dedicado ao Dia da Consciência Negra, ativistas do movimento negro ouvidas pela Agência Brasil ressaltam que, apesar de conquistas importantes, a igualdade racial ainda está distante no país. Para elas, os avanços obtidos por políticas como cotas raciais e demarcação de territórios quilombolas contrastam com o recrudescimento da violência racial e o crescimento de discursos que negam a existência do racismo.
A assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Carmela Zigoni, avalia que o Brasil ainda enfrenta grandes desafios para alcançar a equidade racial. “Estamos longe de construir uma igualdade racial de fato em um país profundamente racista. Além disso, vimos retrocessos recentes, como o retorno de práticas racistas mais diretas e violentas”, afirmou. Ela citou como exemplo a invasão da Escola Municipal de Educação Infantil Antônio Bento, em São Paulo, por policiais militares armados após o pai de uma criança discordar do ensino da cultura afro-brasileira — conteúdo obrigatório pela Lei 10.639/2003.
O episódio, ocorrido no último dia 12, gerou forte reação de entidades e parlamentares. Para Carmela, o caso simboliza a escalada de tensões em torno da pauta racial. A ativista também criticou a extinção de políticas de igualdade racial durante a gestão passada e destacou a retomada desses programas pelo atual governo federal, com reforço orçamentário e medidas de regularização fundiária para quilombolas.
Entre os pontos positivos, ela destaca a reestruturação do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir) e o retorno de recursos para a execução de políticas públicas destinadas à população negra.
A fundadora da ONG Criola – Pelos Direitos das Mulheres Negras, Lúcia Xavier, concorda que houve uma melhora no ambiente político com a mudança de governo, mas ressalta que isso não representa, por si só, avanços significativos nos direitos da população negra. “Há boas intenções, mas ainda enfrentamos níveis alarmantes de violência, falta de oportunidades e dificuldade de permanência nos espaços conquistados”, afirmou.
Lúcia chamou atenção para a contradição entre políticas afirmativas na educação e a realidade do mercado de trabalho, onde a população negra continua enfrentando barreiras históricas. Segundo ela, a ausência de oportunidades e a violência policial permanecem como fatores que intensificam a desigualdade racial.
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Já Alane Reis, coordenadora da Revista Afirmativa e ativista da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) e do Instituto Odara, destaca conquistas importantes, mas reforça que a igualdade racial plena ainda não foi alcançada. “Conseguimos avanços significativos, como as políticas afirmativas nas universidades e nos concursos públicos, além do reconhecimento constitucional do direito das populações quilombolas. Ainda assim, a efetivação desses direitos continua sendo um desafio”, afirmou.
Alane ressalta que a luta do movimento negro ajudou a desconstruir o mito da democracia racial no Brasil. “Hoje, décadas depois, é possível afirmar que esse mito ruiu, embora grupos conservadores ainda tentem negar as desigualdades raciais”, declarou. Ela também destacou a necessidade de ampliar políticas e programas que garantam oportunidades e acesso a direitos, especialmente para mulheres negras — grupo que, segundo ela, enfrenta os piores indicadores sociais.
Outro ponto considerado avanço é a mudança de percepção da juventude negra sobre identidade e pertencimento. “Há 20 ou 30 anos, muitos jovens não se identificavam positivamente com sua negritude. Hoje, vemos crianças e adolescentes que se reconhecem e se orgulham de sua cor, de seu cabelo e de sua cultura”, afirmou Alane.
Crescimento das denúncias
Dados do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania mostram que, entre janeiro e 16 de novembro de 2025, o Disque 100 registrou 13.813 denúncias relacionadas à igualdade racial, abrangendo racismo, injúria racial e violência política e étnico-racial. Ao todo, foram contabilizadas 26.901 violações. São Paulo lidera os registros, com 3.631 denúncias, seguido por Rio de Janeiro (1.898) e Minas Gerais (1.260).
As mulheres representam a maioria das vítimas, com 51,51% das denúncias, enquanto os homens correspondem a 38,64% dos casos. Os números reforçam a avaliação das ativistas de que, apesar dos avanços, a desigualdade e a violência racial ainda são desafios persistentes no Brasil.



